Fotos: Beto Albert
Abandonados ou "semi-domiciliados", a presença de cães e gatos nas ruas de Santa Maria é cada vez mais perceptível.
O ano passado se encerrou com um crescimento significativo no número de denúncias de maus-tratos a animais comparado a 2023. E acende um alerta sobre essa situação. Em 2024, a Superintendência de Controle e Bem-Estar Animal de Santa Maria, vinculada à Secretaria de Meio Ambiente, contabilizou 250 denúncias, a maioria delas contra cães. O aumento é de quase 40% em relação a 2023, período em foram registradas 180 denúncias. Maus-tratos envolvem abandonar, não oferecer alimentação adequada e manter os animais em condições insalubres. Esses são alguns dos exemplos que podem ser denunciados para garantir um cuidado melhor com bichinhos.
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Para a nova superintendente do órgão, a médica veterinária Jordana Beal, o fácil acesso aos canais de denúncia e a consciência da população são fatores que podem ter contribuído para o aumento dos chamados. Ciente da complexidade da causa, ela prevê um trabalho ainda mais próximo a iniciativas, protetores e Organizações Não Governamentais (ONGs) ao longo dos próximos anos. E aposta na Rede de Proteção Animal, que consta no plano de governo do prefeito Rodrigo Decimo (PSDB), como uma forma de, gradativamente, melhorar os índices relacionados ao abandono e maus-tratos em Santa Maria.
O que foi feito até aqui
Desde 2022, o município conta com os serviços de castração e microchipagem por meio do Castramóvel, que funciona, atualmente, em uma estrutura alocada pela Secretaria de Meio Ambiente, na Rua Adão Schneider, 55, Bairro João Goulart. Para ter direito ao serviço, o tutor do animal precisa estar na lista do Cadastro Único (CadÚnico).
No local, são feitos procedimentos nas fêmeas nas segundas e quintas-feiras, enquanto os machos são encaminhados para uma clínica particular. De lá pra cá, foram mais de 3,7 mil animais castrados e microchipados no município.
A superintendente destaca a importância da iniciativa para garantir o bem-estar e a saúde dos animais, porém, reconhece a importância de ampliar os serviços para que mais famílias santa-marienses sejam atendidas.
Voluntários driblam falta de apoio financeiro

Sozinhas ou por meio de projetos, ativistas que atuam na proteção animal relatam altos índices de abandono e maus-tratos no município. O número aumentou ainda mais no período pós-enchente, segundo Cléber Luis Santos, 46 anos, que atua na causa há mais de 20 anos. Coordenador do Projeto Akiles desde maio de 2024, ele estima que mais de 150 animais tenham sido realocados com a ajuda da iniciativa na época. Desde então, o trabalho segue nas ruas do município e sobrevive por meio de doações ou vendas de artesanato da loja do projeto, Kümmel Ateliê.
De julho de 2024 até aqui, mais de 300 animais passaram pelo projeto – sem contar os casos daqueles que são resgatados e tratados, mas não resistem aos ferimentos.
Santos conta que os chamados não param. Alguns são resgatados com fraturas expostas, tumores agressivos, já em estado avançado ou com míase (quando larvas de moscas se instalam em feridas e se alimentam dos tecidos do animal, como a pele, os músculos e a gordura). Já casos mais graves são encaminhados a uma única clínica veterinária, onde uma parceria tornou-se essencial para a continuidade dos resgates.

Os animais resgatados pelo projeto são atendidos sem exigência de pagamento imediato, e cada procedimento é colocado na "conta" da instituição, como explica o médico veterinário Antonio Coutinho, parceiro da causa.
— Me coloquei à disposição porque eles (animais) precisam, simples assim. Eles chegam aqui com lesões, infecções, repletos de parasitas, escoriações... O trabalho é feito em parceria para fechar esse ciclo. Eles dão esse acolhimento, nós tratamos as enfermidades para que eles possam, de fato, atingir uma estabilidade na saúde até encontrarem um lar adotivo. Muitas vezes eles precisam voltar para as ruas, inevitavelmente — explica o médico veterinário sobre o trabalho na clínica.

"Queremos que a história mude"
A parceria permitiu que mais animais fossem atendidos, porém, trouxe outro grande problema à tona: a falta de recursos para arcar com todas essas despesas. Segundo o representante do Projeto Akiles, as doações recebidas sequer pagam o alimento dos animais, muito menos as consultas, tratamentos e procedimentos. Neste momento, mesmo com inúmeros chamados e casos graves, o atendimento na clínica foi interrompido e só deve ser retomado assim que, pelo menos, uma parte do valor seja quitada.
Como alternativa, ele sugere um convênio entre a prefeitura com projetos, ONGs e voluntários para fornecer suporte financeiro para aliviar as contas e garantir novos atendimentos aos animais.
— Essa causa é muito pesada e precisa ter atenção, ninguém dá atenção para isso na cidade. Nas últimas eleições, todos os candidatos falaram sobre isso, mas queremos ver a execução, queremos que a história mude e que os projetos deixem de ficar sobrecarregados. Muitas vezes, precisamos dizer não (aos pedidos de ajuda), porque não tem onde levar, e não queremos seguir fazendo isso — afirma Santos.
Depois do tratamento, os animais são encaminhados para lares temporários e ficam sob cuidados de voluntários até que sejam adotados. No entanto, com a lotação dos projetos e a sobrecarga dos envolvidos, é, cada vez mais, difícil encontrar lares temporários disponíveis, explica o protetor. Em muitos casos, os animais acabam voltando para as ruas.
Santos destaca, ainda, que a castração dos animais semi-domiciliados, conhecidos como "pets da vizinhança”, é um caminho a ser pensado para diminuir a quantidade de animais nas ruas, reduzindo o número de ninhadas.
— Mesmo que esses animais voltem para a rua, eles não vão estar reproduzindo demasiadamente. E é preciso pensar também em fazer a microchipagem de animais que têm tutor, para que eles não sofram o abandono e que ninguém se responsabilize por isso — completa ele.

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É preciso reeducar
Além dos projetos, há também quem atua por conta própria, caso de Jordana Freire, 33 anos. A advogada trabalha ficou conhecida por ser uma das protetoras responsáveis pelo resgate do famoso cão Jeferson, após um atropelamento em agosto do ano passado. Junto de outros voluntários, organiza rifas e vende canecas para bancar os custos de manter o animal longe do perigo das ruas.
Para Jordana, a dificuldade de encontrar lares temporários é um dos principais desafios de quem atua na causa. Entre as alternativas para o combate do abandono e maus-tratos, ela aposta na reeducação das pessoas, em especial, as crianças:
— Muitas coisas precisam mudar, mas é difícil, são muitas realidades diferentes. Precisamos ensinar as crianças desde pequenas a respeitar os animais, criar essa consciência. É a única forma de combater isso a longo prazo. Eu aposto muito nas crianças — diz.
Ajude a Jordana
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Na Câmara
Entre os 13 projetos apresentados pela nova legislatura da Câmara de Vereadores de Santa Maria em 2025, um deles foi direcionado à causa. A proposta (9868/2025), protocolada por Luiz Fernando Cuozzo Lemos (PDT), sugere um curso de 40 horas de aula obrigatório para pessoas condenadas e denunciadas em flagrante por maus-tratos no município.
— Isso não significa que a pessoa vai ser impune e que não vai cumprir as penalidades que já são previstas na lei. Sim, ela vai. Mas, muito mais que isso, a gente vai trabalhar com a educação. Além de cumprir a pena, a pessoa terá que realizar um curso de boas práticas animais e esse conhecimento será disseminado depois, onde essa pessoa vive, com as pessoas. Além de punir, vamos estar educando, isso é transformador – afirma o vereador.

Como o poder público pretende agir

Conforme divulgado no plano de governo de Rodrigo Decimo (PSDB), além de ampliar as ações de esterilização de animais domésticos e a continuação na microchipagem, também está prevista a criação da Rede de Proteção de Bem-estar Animal do município.
Com investimento de R$ 360 mil, destinados pelo Ministério Público (MP), a inciativa se compromete em resgatar e alojar, de forma temporária, animais vítimas de maus-tratos até que sejam adotados, oferecendo recursos e suplementos necessários para os cuidados necessários:
— Vamos auxiliar protetores e ONGs para que eles nos auxiliem recolhendo esses animais e fazendo lares temporários. Em contrapartida, vamos gerar verba para consulta, vacinas, testes, coleiras, para auxiliar nesse processo que antecede a adoção – afirma a superintendente Jordana.
A criação de um canil e um catil para os animais abandonados ou semi-domiciliados não é uma estratégia viável para lidar com a problemática. Segundo Jordana, com base em experiências vividas em outros municípios, o espaço pode virar ponto de descarte e sobrecarga de animais, que não teriam a estrutura necessária para viver.
O Castramóvel, que costumava circular nas ruas do município, deve permanecer atendendo no pavilhão da secretaria. Conforme a Jordana, a estrutura do trailer está comprometida e precisa ficar imóvel, ou seja,a unidade não poderá rodar pela cidade, para ser preservada. Casos envolvendo furto de equipamentos em gestões anteriores também colaboraram para a decisão.
Com a pausa nas viagens, também será preciso repensar formas de facilitar o deslocamento da população até a estrutura.
— Outro projeto que pretendemos colocar em andamento é um veículo próprio para a Central para que a gente possa ir até determinado bairro e busque esses animais, enquanto ele esteja parado no pavilhão.
Censo animal
Em parceria com o Departamento de Geomática da UFSM, faltam alguns ajustes para dar início ao censo animal em Santa Maria. Com o aplicativo já desenvolvido e pronto, a prefeitura ainda precisa formar um equipe responsável para dar início ao levantamento.
Denúncias
Além da prefeitura, as denúncias de maus-tratos e abandono também são atendidas pela Patrulha Ambiental da Brigada Militar e Polícia Civil. Segundo a Superintendência de Controle e Bem-Estar Animal de Santa Maria, toda terça-feira, as equipes realizam o atendimento de até oito denúncias por manhã.
Neste mês, dois casos registrados no município chamaram a atenção da população. No dia 8, filhotes de foram encontrados presos em caixa e expostos ao sol em veículo no centro. Já no dia 10, três gatos foram em situação de maus-tratos em casa abandonada.
Como denunciar
Site da prefeitura
Vá até santamaria.rs.gov.br/servicos-online, clique em “serviços online”, vá em “Meio Ambiente Saneamento", clique em "Denúncia de Maus Tratos" e descreva a situação.
Página do Cartório dos Animais
Através do link https://denmaustratossm.com.br/
Telefone
- Brigada Militar: 180
O que pode ser considerado maus-tratos:
- Corrente fixa e sem o vai-e-vem;
- Animais sem abrigo e fonte de água limpa e fresca;
- Animais doentes, sem tratamento veterinário e em condições insalubres, sem higiene
- Cavalos sem água e sem alimentação adequada
Dados do Castramóvel e microchipagem no município
Fêmeas
Fêmeas | 2022 | 2023 | 2024 |
|---|---|---|---|
Caninas | 449 | 840 | 997 |
Felinas | 193 | 367 | 302 |
Machos
Machos | A partir de julho 2023 | 2024 |
|---|---|---|
Caninos | 121 | 351 |
Felinos | 40 | 75 |